Procurando pausas em tempos de pós-modernidade



PESQUISA CORPORAL: Procurando pausas em tempos de pós-modernidade: um estudo do Yoga para o Teatro
Por LOLITA GOLDSCHMIDT

“É no corpo livre que tudo vive ou morre”
(Peter Brook)


O projeto Procurando Pausas em Tempos de Pós-modernidade: um estudo do Yoga para o ensino de Teatro propõe um mergulho à cultura oriental e tem como foco principal a investigação da criação de uma atmosfera apropriada para o ensino de Teatro e para a conexão consigo mesmo em um estado consciente de concentração através de técnicas de Hatha Yoga. A pesquisa traz a tona anseios por uma busca pelo sutil.
Inspirada pelos estudos de Bauman sobre a atualidade entende-se que homem expandiu seu horizonte, desenvolveu sua mente e possibilidades. No entanto, ainda é um desafio lidar com a noção de tempo e de aproveitamento do mesmo. As exigências sociais vêm se ampliando a cada dia, e viver em constante competição é completamente normal e cotidiano para os sujeitos do mundo do progresso.
Como, então, em meio a este contexto de falta de tempo, pode-se direcionar a mente às atividades que realmente se deseja realizar? Como em processo teatral o ator pode se preparar para criar? Seria possível conectar-se consigo mesmo e mobilizar energias sutis criando pausas no cotidiano para que o processo de criação aconteça?
A pesquisa investiga e experimenta um sistema de treinamento para atores/alunos a partir das técnicas de Hatha Yoga investigando a conexão com o sutil.
Desde o início de sua formação no teatro, a atriz/pesquisadora sempre se identificou com o trabalho corporal. Dessa maneira, os processos de criação teatral os quais envolviam sensibilizações físicas tomaram mais seu tempo de pesquisa. Com esse tempo de estudo e pesquisa dentro da área, percebe-se que mesmo tais processos, eventualmente, não despertavam os mesmos resultados. Pergunta-se, então, o porquê de, em alguns dias, a criação parecer fluir como um imenso rio de águas claras e em outros estagnar como uma poça de lama sem grandes possibilidades e cheia de medos e incertezas? Por que a mente insiste em divagar pesada e preguiçosa pela vida cotidiana dificultando o surgimento de qualquer nova possibilidade, mesmo em um trabalho da linha corporal? Onde está o segredo? Como entrar em contato com essa energia sutil e criadora que parece alimentar o teatro?
Para que se alcance esse contato com o novo Brook afirma que: “para que alguma coisa relevante ocorra, é preciso criar um espaço vazio. O espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que diz respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só pode existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma experiência nova e original é possível se não houver um espaço puro e virgem, pronto para recebê-la”. (BROOK, 2002, p.4)
Mas como encontrar este espaço vazio de que defende Brook? Quais são os caminhos que levam a ele?
Praticante de Yoga desde 1999, a atriz/pesquisadora identifica nos momentos de prática a facilidade em conectar-se com o presente. E o estar no presente é fundamental para perceber o sutil. O Yoga entende o corpo, a mente e a energia como elementos completamente interligados, vê o ser humano como uma unidade de aspectos que, por sua vez, devem estar harmonizados e equilibrados para um viver melhor. A relação com o teatro é evidente, visto que essa unidade corpo, mente e energia também se faz presente quando o ator se encontra em estado de jogo dramático, completamente disponível a qualquer estímulo, tanto externo, quanto interno. Dessa maneira, investiga-se como o Yoga poderia auxiliar no processo de criação teatral, na criação de uma atmosfera de trabalho para tais práticas, onde se pudesse concentrar a energia, o corpo e a mente, deixando de lado a agitação cotidiana do mundo atual e conectando-se consigo mesmo.
Esta pesquisa foi iniciada no ano de 2008 no projeto de graduação da atriz/pesquisadora, porém com as práticas direcionadas ao âmbito escolar.
O Yoga acredita que o trabalho do corpo físico é o primeiro passo para se chegar ao sublime.
Segundo Chekhov (1996, p.8) “todo ator, em maior ou menor grau, sofre alguma resistência de seu corpo”. Para que esse corpo possa criar, é necessário que o ator esteja constantemente o alimentando com impulsos imaginativos, exercitando corpo e mente para estar constantemente conectado com o sensível. Para Barba, o ator deve libertar-se de suas limitações pessoais, mergulhar fundo no seu treinamento individual conectar-se com suas reais e verdadeiras motivações. Grotowski por sua vez salienta a importância de uma conexão consciente com o corpo. Propõe exercícios que investiguem o corpo, que eliminem resistências e bloqueios emocionais. Fala-nos do ator entregue ao processo de criação. Também o Yoga acredita que a descoberta dos obstáculos que bloqueiam o ser e a superação dos mesmos é um trabalho de muita importância para o praticante. Segundo essa filosofia é somente após o corpo grosseiro estar preparado e trabalhado que se pode percorrer o caminho do sutil, que se pode mergulhar ainda mais fundo. Tal mergulho interior requer tempo de prática, dedicação e autodisciplina; é uma busca para toda a vida.
Essa pesquisa, iniciada ainda na graduação, teve sua continuidade em encontros entre as duas atrizes (Diana Manenti e Lolita Goldschmidt) com a proposta reformulada e com novo foco para o treinamento psicofísico do ator.
Acredita-se que o estudo do Hatha Yoga é um caminho possível para a preparação física e energética do ator/aluno e que pode ser muito rico para o Teatro. Tem-se a ideia de tornar esta pesquisa ainda mais rica e profunda, visto que o universo Yogi abordado, devido a sua riqueza de possibilidades, permite um mergulho significativo ao pesquisador, dessa maneira continuaremos experimentando as técnicas na preparação corporal do elenco do espetáculo “A MENINA DO CABELO VERMELHO”

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saudação ao sol
postura do herói

postura da árvore

postura do arqueiro

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